Uma das mais triviais, porém fantástica experiência ao logo de nossas vidas é a paternidade (ou maternidade). A natureza faz a sua parte e nos prepara o quanto pode, sempre para que a espécie perdure de geração em geração. Naturalmente, um sentimento de amor desponta, ainda de mancinho no início. Um bem querer por alguém que ainda nem conhecemos, vai brotando espontaneamente dentro de nós, à medida que o embrião passa a ser uma realidade diária do nosso imaginário futuro. Coração e mente como a montagem gradativa de um ninho, vai formando um aconchegante espaço nobre em nosso peito de infinita compaixão e amor incondicional. Depois vem o nascimento e a mágica se completa. A partir dali, mais e mais, esse amor puro, visceral, sem condicionantes nos toma por completo, de forma imperativa e, no entanto, nos transforma extraindo quase sempre o melhor de nós não só para com aquele novo ser tão próximo e amado, mas para com a própria vida. Sim, mudamos e continuamos a se transformar junto a esses pequenos amados. Diversas foram às mudanças, em mim e para mim, que continuam sempre entre pais e filhos ao longo de suas vidas. Assistir ao crescimento de um filho é um aprendizado diário de mútuas mudanças. É delicioso observar, acompanhando de perto as nuances do desenvolvimento da criança à medida que ela, por meio da intuição, do sentimento e da lógica, vai entendendo os conceitos concretos e abstratos da realidade que a cerca com suas complexas relações, regras, simbologias e linguagens sociais. As perguntas vão surgindo e se sofisticando, nessa busca do pequeno pelo entendimento do mundo. Quem é pai, mãe, tio, avô conhece bem aquela fase entre os três aos cinco anos das perguntas sem fim, "o que é isto?", "o que é aquilo?". Algumas hilárias, outras intrigantes como, por exemplo: “Pai, porque fica noite?” ou “Porque a gente é grudada no chão e os passarinhos não?” – hum, pergunta complexa e múltipla (gravidade, existência do ar, leis físicas relativas aos principios do vôo, teoria da evolução de Darwin, etc.). Existe ainda as tradicionais, claro, sobre a procriação: “Pai, de onde vem os bebes?” ou ainda, “mas pai, como o bebe entra na barriga da mamãe?”
Mas de todas as perguntas da primeira infância dos meus filhos, teve uma do primogênito que me foi marcante. Ainda continuo a degluti-la e ela a transformar-me em busca da sua resposta devido ao seu profundo significado. A pergunta fora dirigida a mim e a sua mãe, por diversas vezes, pois as repostas não satisfaziam o seu raciocínio lógico, nem sua intuição, menos ainda seu “sentimento” de veracidade. Comigo, foi num café da manhã, assim que peguei o jornal para ler, ele disparou, puxando o jornal das minhas mãos: “Pai, como a gente existe?”. Eu articulei rapidamente, do modo mais didático possível, os princípios básicos da biologia sobre a vida multicelular orgânica e sobre a espécie humana, apontando o seu coração, sua cabeça, membros etc.. Sem efeito. Ele, então, insistiu! “Não, pai. Você não entendeu, não é nada disso. Quero saber como a gente existe?” Refleti por longo momento e percebi que era um problema de semântica. O que ele queira saber não era como “sobrevivíamos”, mas sim o Porquê ou Pra que da existência? Sempre procurei responder as suas questões da forma mais lúdica e didática possível, em conformidade com a sua idade e poder de compreensão, mas sempre dizendo a verdade do “momento”, ou seja, aquela em acordo com a ciência e civilização contemporânea. Até mesmo quando eu não sabia a resposta, eu dizia não saber. Mas essa pergunta em particular, a humanidade vem indagando desde que o homem tomou consciência de si próprio. Desde que o homem pensa, de que tomou ciência da sua existência individual, de que há passado, presente e futuro. Desde que seu destino final é a morte, ou fim da vida. Difícil responder a isso, sem frustra-lo, mas sim ao contrário, instiga-lo a buscar pela resposta.
Como infelizmente não há, nem nunca houve, um manual de como ser pai ou mãe (os bebês não vem com manual descritivo), intrigado em como bem responder a inquietude do meu filho, fui ao Oráculo: A Internet! Sim, na época já havia Internet, Yahoo, Dogpile e o iniciante Google. Porém, por semanas, tentei encontrar algum manual ou livro pronto, sem sucesso, do tipo “As melhores respostas em consenso por todos os melhores especialistas, de todas as áreas da ciência, filosofia e religião, para todas e quaisquer perguntas das crianças em qualquer momento”. Sem chance! Ser pai é tudo por tentativa e erro mesmo. Conselhos também não funcionam. Nem consultar especialistas. A gente aprende tudo tentando, ou melhor, ”quebrando a cara”.
Depois de repensar o tema, disse-lhe a verdade. Contei que havia muitas idéias, mas que ninguém sabia de verdade “Como a gente existe”. Que isso era pra todos um grande mistério, um segredo ainda a ser revelado. Bem, dessa parte ele gostou. Então ele perguntou: “Pai o que você acha então como a gente existe?”. Hum, pediu minha opinião. Wall, que evolução! Ele entendeu que não havia uma resposta definitiva, mas sim opiniões, embora ele não soubesse o que era uma opinião. Foi então, que assim como ele, eu respondi tanto pela minha lógica, mas também pela intuição e sentimento paternal. “Bem filho, eu não sei pra que eu existo, mas sei que estou vivendo do jeito certo, pelo modo como eu existo”. “Pai, não entendi”. “Sim, eu sei. Eu quis dizer que a gente existe para viver bem a vida, mas como saber se vivemos bem? Simples, filho, o nosso coração nos diz. Por exemplo: Quando eu te dou aquele abraço forte de leão, todos os dias quando te pego na escola, contente por te ver, o que você sente”? “Ah, pai eu fico muito feliz porque eu gosto muito de você”. “É isso filho: pra isso é que a gente existe, para amarmos uns aos outros e assim fazermos felizes aqueles a quem amamos. Porque? Porque quando fazemos a quem amamos felizes, isso é que de verdade faz a gente feliz. Porém, quando você fica com raiva ou com inveja de alguém, você se sente triste, não é?" "Sim, pai". "Então, isso é o seu coração que está te dizendo que como você existe está errado, por isso você não se sente bem, nem feliz.”
Bem claro que eu não respondi de fato a pergunta do meu filho. Mas procurando sempre pela verdade ou pelo menos leva-lo a busca-la, em momento algum eu menti, porque disse a ele algo em que acredito. Não evoquei deuses antropomórficos, livros sagrados, criadores de céus e terras, para justificar a existência humana por meio de pecados e da morte eterna ao lado de deus. Não, eu não respondi o “Porque ou Pra que”, mas sim o “como” deveríamos navegar pela vida, tendo com a bússola nossas boas emoções, mantendo a percepção aguçada e alerta sobre nós mesmos, sobre quem somos e como estamos. Para que a partir dai possamos perceber o que e como estamos fazendo das nossas vidas e delas para com os outros. Deu resultado. Ele se sentiu bem. Seu coraçãozinho intuiu que aquela resposta era sincera e satisfazia seus anseios.
Não há um dia sequer, desde então, que eu não repense a questão: "pai, como eu existo"? A inocente pergunta é genial. Não há respostas satisfatórias a “Porque ou Pra que eu existo?”. Nem na lógica, nem nas religiões. Mas há algo que nos preenche e nos acalenta quando refletimos ao como vivemos? Como diz o ditado: "todo caminho vale apena se há um coração". Se vivermos por meio do coração em tudo: nos pensamentos, nas palavras e nas ações, acabamos por promover sempre o bem a tudo e todos, sobretudo a quem amamos. Dessa forma não há como não se sentir bem, pleno de significado, de razão de existência, de serenidade. Feliz.