quinta-feira, 27 de agosto de 2009

Cartão do Papai

Amigos, a crônica de hoje não é bem minha. Nem mesmo uma crônica seria. Um conto, talvez? Não. Uma conversa com vocês? Sim, creio que por ai.

Vou parafrasear a minha filhinha de oito anos e dividir o seu texto e intimidade entre pai e filha com vocês. Há momentos que a nossa flama, que chamamos de alma se erradia mais, se inflama, se ilumina subitamente como o ascender de uma vela, ou como o gás de um isqueiro, etéreo, imperceptível, fino de substância, mas que se faz presente quando aquecido por uma minúscula centelha luminosa que acende a luz. Assim, nossa alma, energia radiante, por vezes se expande um pouco mais quando aquecida por qualquer centelha genuína de amor e candura.

O amor dos pais para com os filhos, incondicional e desapegado, é visceral e transcendente aos nossos próprios egos. O que torna um Pai ou uma Mãe, imensamente feliz na relação com seus filhos? Claro que com a realização, bem estar e felicidades deles. Mas é inegável que quando sentimos ou tomamos ciência de que eles, nossos filhos nos amam, o sentimento de felicidade é incomensurável, certo? Haveria ainda sensação de felicidade maior?

No dias dos pais, entre os presentinhos, recebi dos meus filhos aqueles singelos cartões que a escola os ajuda artesanalmente a elaborar. Como sempre, eles ficam excitadíssimos com o segredo da confecção dos cartões comemorativos para no dia D, para que junto com os presentes, abraços e beijos, possam entregá-los, dizendo “pai fiz pra você”. Os cartões sempre são inocentes, mas sinceros quanto aos textos. A idéia da produção é da escola, claro, mas o “handcraft” é dos pequenos mesmo. O cartão da minha “piccola” era um retângulo de papel cor de caixa de papelão, que dobrado formava um quadrado perfeito. Na capa, um pedaço de cartolina preta, em forma de quadrado menor, como moldura interna. Dentro deste, três letras em alto relevo, formadas por pedaços de papel colados juntos, um a um, como peças de “lego”, para formar cada letra da palavra. Eram finas tiras de papel, cortadas a tesoura, enroladas cada qual em pequenas bobinas, como serpentinas de carnaval ainda não abertas. As pecinhas brancas juntas fizeram o "P" grande, as vermelhas o “A” e as tiras pretas o “I”. Simples, a capa título do cartão: “Pai”. Abrindo a dobra, porta do cartão, há um quadrado, extraído de algum caderno de caligrafia, cortado e colado, provendo as linhas para que finalmente, minha pequena escrevesse ali algo de seu, original, sem mais nenhuma direção artística externa, que a seguir, divido com vocês:

“Querido Papito,

Você é o melhor pai que alguém poder ter. É que você é incrível. você inspira a gente. você é bonzinho, carinhoso, bondoso e amoroso!

Quando você fala parece que você está dando um abraço no meu coração.

Muitos Beijos”

Bem caro leitor, “Quando você fala parece que você está dando um abraço no meu coração”, confesso, foi uma fagulha de amor e felicidade para mim. Fui surpreendido, tanto no racional pelo inusitado e expressivo da frase, quanto no emocional. Ela conseguiu me dar certeza de que tem certeza do meu amor por ela!

Um dos maiores contentamentos de todos, para os pais é ter a certeza de que nossos filhos têm plena convicção do nosso amor por eles. Não há nada igual a esse sentimento!

“Light for all”

terça-feira, 25 de agosto de 2009

Do fim do PT !


"Se lembra da jaqueira
A fruta no capim
Dos sonhos que você contou pra mim
Os passos no porão, lembra da assombração
E das almas com perfume de jasmim
Se lembra do jardim, oh maninha
Coberto de flor
Pois hoje só dá erva daninha
No chão que ele pisou
"

Chico Buarque.

sexta-feira, 7 de agosto de 2009

Como a gente existe?

Uma das mais triviais, porém fantástica experiência ao logo de nossas vidas é a paternidade (ou maternidade). A natureza faz a sua parte e nos prepara o quanto pode, sempre para que a espécie perdure de geração em geração. Naturalmente, um sentimento de amor desponta, ainda de mancinho no início. Um bem querer por alguém que ainda nem conhecemos, vai brotando espontaneamente dentro de nós, à medida que o embrião passa a ser uma realidade diária do nosso imaginário futuro. Coração e mente como a montagem gradativa de um ninho, vai formando um aconchegante espaço nobre em nosso peito de infinita compaixão e amor incondicional. Depois vem o nascimento e a mágica se completa. A partir dali, mais e mais, esse amor puro, visceral, sem condicionantes nos toma por completo, de forma imperativa e, no entanto, nos transforma extraindo quase sempre o melhor de nós não só para com aquele novo ser tão próximo e amado, mas para com a própria vida. Sim, mudamos e continuamos a se transformar junto a esses pequenos amados.

Diversas foram às mudanças, em mim e para mim, que continuam sempre entre pais e filhos ao longo de suas vidas. Assistir ao crescimento de um filho é um aprendizado diário de mútuas mudanças. É delicioso observar, acompanhando de perto as nuances do desenvolvimento da criança à medida que ela, por meio da intuição, do sentimento e da lógica, vai entendendo os conceitos concretos e abstratos da realidade que a cerca com suas complexas relações, regras, simbologias e linguagens sociais. As perguntas vão surgindo e se sofisticando, nessa busca do pequeno pelo entendimento do mundo. Quem é pai, mãe, tio, avô conhece bem aquela fase entre os três aos cinco anos das perguntas sem fim, "o que é isto?", "o que é aquilo?". Algumas hilárias, outras intrigantes como, por exemplo: “Pai, porque fica noite?” ou “Porque a gente é grudada no chão e os passarinhos não?” – hum, pergunta complexa e múltipla (gravidade, existência do ar, leis físicas relativas aos principios do vôo, teoria da evolução de Darwin, etc.). Existe ainda as tradicionais, claro, sobre a procriação: “Pai, de onde vem os bebes?” ou ainda, “mas pai, como o bebe entra na barriga da mamãe?”

Mas de todas as perguntas da primeira infância dos meus filhos, teve uma do primogênito que me foi marcante. Ainda continuo a degluti-la e ela a transformar-me em busca da sua resposta devido ao seu profundo significado. A pergunta fora dirigida a mim e a sua mãe, por diversas vezes, pois as repostas não satisfaziam o seu raciocínio lógico, nem sua intuição, menos ainda seu “sentimento” de veracidade. Comigo, foi num café da manhã, assim que peguei o jornal para ler, ele disparou, puxando o jornal das minhas mãos: “Pai, como a gente existe?”. Eu articulei rapidamente, do modo mais didático possível, os princípios básicos da biologia sobre a vida multicelular orgânica e sobre a espécie humana, apontando o seu coração, sua cabeça, membros etc.. Sem efeito. Ele, então, insistiu! “Não, pai. Você não entendeu, não é nada disso. Quero saber como a gente existe?” Refleti por longo momento e percebi que era um problema de semântica. O que ele queira saber não era como “sobrevivíamos”, mas sim o Porquê ou Pra que da existência? Sempre procurei responder as suas questões da forma mais lúdica e didática possível, em conformidade com a sua idade e poder de compreensão, mas sempre dizendo a verdade do “momento”, ou seja, aquela em acordo com a ciência e civilização contemporânea. Até mesmo quando eu não sabia a resposta, eu dizia não saber. Mas essa pergunta em particular, a humanidade vem indagando desde que o homem tomou consciência de si próprio. Desde que o homem pensa, de que tomou ciência da sua existência individual, de que há passado, presente e futuro. Desde que seu destino final é a morte, ou fim da vida. Difícil responder a isso, sem frustra-lo, mas sim ao contrário, instiga-lo a buscar pela resposta.

Como infelizmente não há, nem nunca houve, um manual de como ser pai ou mãe (os bebês não vem com manual descritivo), intrigado em como bem responder a inquietude do meu filho, fui ao Oráculo: A Internet! Sim, na época já havia Internet, Yahoo, Dogpile e o iniciante Google. Porém, por semanas, tentei encontrar algum manual ou livro pronto, sem sucesso, do tipo “As melhores respostas em consenso por todos os melhores especialistas, de todas as áreas da ciência, filosofia e religião, para todas e quaisquer perguntas das crianças em qualquer momento”. Sem chance! Ser pai é tudo por tentativa e erro mesmo. Conselhos também não funcionam. Nem consultar especialistas. A gente aprende tudo tentando, ou melhor, ”quebrando a cara”.

Depois de repensar o tema, disse-lhe a verdade. Contei que havia muitas idéias, mas que ninguém sabia de verdade “Como a gente existe”. Que isso era pra todos um grande mistério, um segredo ainda a ser revelado. Bem, dessa parte ele gostou. Então ele perguntou: “Pai o que você acha então como a gente existe?”. Hum, pediu minha opinião. Wall, que evolução! Ele entendeu que não havia uma resposta definitiva, mas sim opiniões, embora ele não soubesse o que era uma opinião. Foi então, que assim como ele, eu respondi tanto pela minha lógica, mas também pela intuição e sentimento paternal. “Bem filho, eu não sei pra que eu existo, mas sei que estou vivendo do jeito certo, pelo modo como eu existo”. “Pai, não entendi”. “Sim, eu sei. Eu quis dizer que a gente existe para viver bem a vida, mas como saber se vivemos bem? Simples, filho, o nosso coração nos diz. Por exemplo: Quando eu te dou aquele abraço forte de leão, todos os dias quando te pego na escola, contente por te ver, o que você sente”? “Ah, pai eu fico muito feliz porque eu gosto muito de você”. “É isso filho: pra isso é que a gente existe, para amarmos uns aos outros e assim fazermos felizes aqueles a quem amamos. Porque? Porque quando fazemos a quem amamos felizes, isso é que de verdade faz a gente feliz. Porém, quando você fica com raiva ou com inveja de alguém, você se sente triste, não é?" "Sim, pai". "Então, isso é o seu coração que está te dizendo que como você existe está errado, por isso você não se sente bem, nem feliz.”

Bem claro que eu não respondi de fato a pergunta do meu filho. Mas procurando sempre pela verdade ou pelo menos leva-lo a busca-la, em momento algum eu menti, porque disse a ele algo em que acredito. Não evoquei deuses antropomórficos, livros sagrados, criadores de céus e terras, para justificar a existência humana por meio de pecados e da morte eterna ao lado de deus. Não, eu não respondi o “Porque ou Pra que”, mas sim o “como” deveríamos navegar pela vida, tendo com a bússola nossas boas emoções, mantendo a percepção aguçada e alerta sobre nós mesmos, sobre quem somos e como estamos. Para que a partir dai possamos perceber o que e como estamos fazendo das nossas vidas e delas para com os outros. Deu resultado. Ele se sentiu bem. Seu coraçãozinho intuiu que aquela resposta era sincera e satisfazia seus anseios.

Não há um dia sequer, desde então, que eu não repense a questão: "pai, como eu existo"? A inocente pergunta é genial. Não há respostas satisfatórias a “Porque ou Pra que eu existo?”. Nem na lógica, nem nas religiões. Mas há algo que nos preenche e nos acalenta quando refletimos ao como vivemos? Como diz o ditado: "todo caminho vale apena se há um coração". Se vivermos por meio do coração em tudo: nos pensamentos, nas palavras e nas ações, acabamos por promover sempre o bem a tudo e todos, sobretudo a quem amamos. Dessa forma não há como não se sentir bem, pleno de significado, de razão de existência, de serenidade. Feliz.

sexta-feira, 31 de julho de 2009

Enlightenment




Enlightnenment

the light is here
the light is there
the light is everywhere
and all is light

the light is in me
the light is in thee
the light is in everyone
and all is one!

segunda-feira, 27 de julho de 2009

Por do Sol em Toc Toc

Neste fim de semana atípico de inverno, chuvoso e úmido, me aqueci com as leituras fáceis dos hits contemporâneos, sempre longe da funky TV. Por vezes, meio dormindo acordado pós-almoço do domingo, olhos semicerrados a observar gotas intermitentes desse choro de chuva infindável, as lembranças do meu último fim de semana em Toc Toc, me acalentaram com um pouco de cor na memória a esse domingo tão cinza. Neste ano, estive em Toc Toc, da última vez, num fim de semana pré-feriado. Larguei tudo por um momento de paz, de esquecimento. Saímos de São Paulo às duas da tarde de uma sexta-feira. Peguei a chave da casinha da Sandrinha, na Lapa, às três. Finalmente partimos. Uma hora para cruzar a marginal do Tietê e chegar a Ayrton Senna. Estava ansioso para chegar antes das cinco e meia para ver o singular por do sol em Toc Toc. A Gina dizia para eu relaxar, pois não importava quando chegaríamos. Ela estava certa, mas eu queria muito mesmo lá estar antes da noite. Chegamos, porém, cerca de seis e meia. Noite.

Passamos um fim de semana maravilhoso, sem TV, rádio, DVD, games, etc. Um fim de semana memorável em família, pleno de felicidade serena.

Só nós mesmos, como companhia e passa tempo. O tempo estava esplendido. Céu azul levemente enevoado. Sol ameno. Mar de almirante.

No sábado, após uma longa manhã de praia, de almoço e soneca, acordei às cinco da tarde. A casinha caiçara em que ficamos não é pé na areia, mas quase, do outro lado da rua. Realmente a poucos metros, muito próximo da praia, de maneira que quando dormimos o rugir ritmado das ondas nos segue por toda a noite.

Cortei caminho pelo quintal da casa de frente, onde mora um casal de pescadores, velhos amigos. Entrei na cozinha deles (tenho total liberdade por lá) tomei um gole de café requentado num copo americano e fui à praia. Sentei na espreguiçadeira para assistir a performance em “real time” do maior artista plástico do mundo: “o rei Sol”. A "tela" do ocaso em Toc Toc é privilegiada. A praia é invertida de modo que o sol se põe no mar e não no continente, como se estivéssemos na costa do pacifico e não na do Atlântico, olhando para o oriente.

Nessa época do ano já outonal, em que a curva solar é mais setentrional, não vemos a bola de fogo mergulhar nas águas em cobre. O sol "tramonta", como se diz na Itália, mais a direita da praia onde há montanhas, quase istmos cobertos por mata atlântica. Ainda assim, à medida que sol se infiltrava na silhueta negra do morro, as nuvens se tingiam mais e mais de carmim. Na linha d'água, entre ar e mar, as listras horizontais de nuvens, lilás por baixo e vermelho brasa por cima, cortavam a tela de canto a canto, por toda a praia. O mar era de um cobre bem avermelhado, não liso, mas enrugado pelas pequenas marolas que formavam sombras de um azul quase cinza, a modelar esse tapete de águas, num relevo rugoso de pontas angulosas, como se essa couraça dourada escura, fosse cheia de pontas, um ouriço metálico.

Quanto mais o sol se escondia, mais diversas eram as camadas de nuvens stratus formando diversas listras paralelas sem fim, cada qual num tom dramático de vermelho e azul profundo, mas em diferentes matizes. As luzes das casas cintilavam nas marolas, adicionando pontos de brilhos espelhados sobre o cobre e suas sombras, agora já negras.

Meus filhos brincavam contra as ondas, esquálidos e negros contra a luz agonizante. Pareciam nativos africanos, envernizados cada vez que as ondas passavam por eles. Eu me esqueci de mim mesmo. Do meu ego. De quem sou. Tornei-me parte da paisagem. Insignificante diante da sua magnificência.

Fui infinitamente feliz, por um dia. Por um momento, valeu muito mais do que muitos outros estar "simplismente" vivo.

quinta-feira, 23 de julho de 2009

"Stop. A vida parou o foi a automóvel?"

O grande Drummond era capaz dessas sacadas geniais e por vezes minimalistas. Assim como quem salta de um chapéu mexicano dos parques de diversões, logo após seus giros rápidos e vertiginosos, durante os quais o tempo nos parece andar mais rápido, ou ao contrario, mais lento para os que estão do lado de fora, já que tudo o mais passa correndo, difuso, um turbilhão de som e cores, enquanto, tomados pela adrenalina da brincadeira e da aventura rimos girando suspenso no ar. Quando depois saltamos fora, a adrenalina cessa, voltamos ao tempo normal, mais lento, as imagens nítidas e reais. Da mesma forma, o modus vivendi acelerado, estressante, sob a profusão de informações de todos os lados, dos deslocamentos absurdos, dos compromissos múltiplos, como se não existissem as distâncias nem o trânsito sempre engarrafado, onde todos lutam contra todos, mas todos são vencidos pelo relógio e pelo atraso aos compromissos, cada vez mais numerosos. Essa ordem de coisas vai tornando nossas vidas mais e mais como o chapéu mexicano, onde estamos sempre embarcados num gira-gira que nos causa vertigens, embaça as cores e a nitidez do momento presente. Estamos sempre preocupados demais com o próximo compromisso, à volta a seguir do gira-gira, com o sucesso ou infortúnios alheios, o "banco da frente do gira-gira", ou ainda com as lembranças de ontem. Cotidianamente, como pilotos automáticos, vamos dirigindo nossos carros, nadando desajeitados num mar sem fim de veículos em trânsitos sempre morosos ou parados. Mas às vezes, algo nos tira dessa “Matrix” ilusória, desse transe robótico consumista existencial, onde só se existe socialmente, quando e se consumimos, mas ao mesmo tempo, nesse estado “consumista auto-ilusionista”, não vivemos jamais a realidade presente, mas sim um passado saudosista, ou no futuro imediato do próximo consumo ou da experiência hedonista a seguir.

Sim, a realidade fora dessa ilusão de carrosel existe, e de repente ela nos tira do "gira-gira", nos expulsa do casulo da Matrix, assim como o herói, Neo, o escolhido foi cuspido do seu casulo "tumba de zumbi”, graças a outro personagem do filme Matrix, o Morfeu. Nesta manhã, Morfeu bateu a minha porta. Tirou-me do casulo e eu fui cuspido para a realidade crua e nua, para fora da rotina alienante, dos cenários escapistas das vitrines dos shoppings, dos carros importados que rodam ao nosso redor e das belas mulheres plásticas com seus cabelos lisos por chapinhas e rostos esculturais de botox, como celebridades a "la Michael Jackson". Hoje não vou dirigir como um autômato. Não vou falar mal dos motoristas que cortam a minha frente, ou maldizer o transito engarrafado. Não vou me distrair a flertar com a bela loira do carrão ao lado, ou ainda entrar no escritório com cara de ser superior, de executivo assoberbado, reclamando do atraso a reunião, devido a mais um motoqueiro que resolveu falecer esta manhã, justamente no meu trajeto.

Hoje, Morfeu me ligou, me avisando que meu tio, aquela figura carinhosa que tanto marcou minha infância dourada faleceu. O tempo então parou. Sai derepende da vertigem do gira-gira: do tráfego matinal, das loiras plástico-esculturais, dos carrões, das desejadas viagens a paraísos longínquos, das ambicionadas promoções a cargos e maiores salários. Tudo isso parou ou ficou "de repende, não mais do que de rependente", sem o menor sentido.

Algo de precioso, real, se foi. Um pedaço de mim vai junto também. Mais uma testemunha e cúmplice de parte da minha vida desaparece. A vida fica um pouco menor. Continuo a tomar o meu café, apreciando o seu aroma e sabor. Beijo meu filho ao lado. Sinto um alento de ainda estar vivo, de poder sentir aromas, abraçar meu filho, estar em casa, afagar minha cadela e assistir os movimentos matinais, quase orquestrados da minha esposa a reger nosso lar. Ah, a realidade, enfim, crua e nua, sem passado ou futuro, sem mascaras ou títulos, cargos ou nomes. Estou vivo, ainda vivo. Às vezes é preciso alguém próximo morrer, sermos tomados por súbita tristeza, para saltarmos do automóvel e parar esse tempo acelerado e ilusório. Respirar fundo, e voltar a viver de verdade, mais uma vez.

quarta-feira, 22 de julho de 2009

Celebrem as "flores em luz" todas as manhãs

Em inglês existe uma expressão de difícil tradução para o português: “for granted ”. Ela significa uma ingratidão, ou melhor, nossa indiferença quando ganhamos algo, obtemos alguma coisa, uma boa ação ou um presente. É como ter uma dádiva, sem nenhum reconhecimento ou apreciação por quem a recebe. Assim tem se desenrolado o drama humano: “for granted”. Somos capazes de maravilhas. Nada no momento é tão emblemático, como nesta data de Julho de 2009, em que comemoramos os quarenta anos em que o primeiro homem pisou na lua. A saga humana continua, acelerando o tempo por meio da evolução científica e tecnológica, provendo o homem de maior longevidade e de uma qualidade de vida e de recursos, nunca antes tão abundantes em toda a nossa história. No entanto, o paradoxo é que continuamos a padecer de infelicidade crônica. Na maioria das vezes, entretanto, isso não é devido a grandes traumas, terríveis doenças ou grandes violências. Sim, estas continuam a ocorrer por todo o planeta, infelizmente, mas a grande maioria da humanidade sente-se infeliz, apesar de viver em relativa boa vida, nessa era de abundância, onde tudo se encontra, para comer, vestir, se abrigar, se curar, se entreter, em cada esquina, nas lojas, supermercados, e shoppings. Nunca tantos tiveram tanto e ainda assim, continuamos a sofrer de “infelicidade crônica”. São os eternos problemas das relações humanas, os dos (des) casais, as relações competitivas no trabalho, pretensamente “amistosas”, o stress, o infinito desejo de consumo, desmedido como se toda a felicidade depende-se, em dado momento, da posse da última tecnologia de celular disponível ou de um carro zero km. Por futilidades, desejos sem fim e medo constante de não sermos socialmente aceitos, por não aparentarmos "ter poder de consumo" – “consumo, logo existo” -, de não sermos mais amados, desejados ou até mesmo, não mais invejados, sobretudo, “notados”. Continuamos a gastar o nosso bem mais precioso e escasso, o nosso tempo de vida, com as coisas externas, os “espelhinhos para índios”, que só nos causam alegrias instantâneas, mas fugazes, tão efêmeras como os “(de) efeitos do crack”. No entanto, basta um simples olhar, como aqueles primeiros astronautas da Apolo Oito, que quando entraram em órbita lunar pela primeira vez, vislumbraram uma única maravilha,singela, linda e colorida। Não a lua deserta, meta impossível e enfim alcançada, mas sim o “nascer” da terra, visto da lua। A linda dama, a seminua azul brilhante, com seu vestido branco esvoaçante, suspensa no éter, em contraste com o escuro, eterno e sombrio do universo sem fim. Essa dádiva que é a terra, que é a vida, que todos os dias nós dá a oportunidade de estarmos vivos, aqui e agora, de levantarmos a cada manhã e vislumbramos as gotas de luz que enfeitam a tudo, dando cor e beleza ao que chamamos de “realidade”, permitindo a vida continuar a florescer nesta bola de gude brilhante, tão pequena como um grão de areia perdido numa praia sem fim que é o grande cosmo. Tudo que aqui vive é devido a essa luz e ao seu calor sobre a face da nossa mãe terra. Tudo se enfeita de seu brilho e se veste de cor a cada manhã, como pétalas de flores brilhantes, como luzinhas de natal a reluzir esse imenso cenário que chamamos de vida. Todos os dias, temos um espetáculo, um milagre diante dos nossos sentidos, mas ao invés de nos extasiarmos pelo simples fato de respirarmos, de estarmos vivos para apreciarmos e desfrutamos dessa magia milagrosa, continuamos obstinadamente a gastar nosso tempo com pensamentos voltados ao possuir, ao aparecer diante das opiniões alheias, e assim, deixamos de desfrutar a vida “per se” , deixamos do simplesmente e eterno “ser”, para o efêmero “ter”. E assim continua a humanidade...